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- Escrito por: Sidney
Conceituamos vitimismo como um funcionamento em que a pessoa se expressa como vítima de uma determinada situação. Ela busca, muitas vezes de modo sofrido, a compreensão e acolhimento dos outros, transparecendo estar sufocada, impotente e em solidão diante de algum acontecimento. Chamamos de funcionamentos determinados movimentos no interior da psique, estimulados pelas atividades do dia a dia. Normalmente, são despertados por sensações oriundas das nossas percepções. A maioria desses movimentos é natural e muitas vezes imperceptíveis. Porém, há casos em que eles podem tocar em algum cisto de sofrimento adormecido no nosso inconsciente e com forte conteúdo psicológico. A esses, precisamos estar atentos para não sermos totalmente dominados por eles e, sem perceber, sermos assim conduzidos por eles.
É preciso separar o funcionamento de vitimização da tendência pessimista. O pessimista possui baixa autoestima e tem uma imagem negativa de si. Há muitos comportamentos semelhantes ao vitimismo, porém, ela tende a reclamar de tudo, independentemente de haver ou não algum estímulo sensorial. Parece buscar atenção ao passar uma imagem de vítima. Irradia uma visão negativa do mundo e das coisas. Esse comportamento é cultural e está mais ligado à psicologia social.
Sob o prisma junguiano, podemos afirmar que o vitimismo tem toda a configuração de um complexo. Para entender um complexo de modo simples, podemos imaginar um sistema planetário, como o sol, por exemplo. O sol, como núcleo desse sistema, atrai tudo o que é matéria que passa pelo seu poder magnético. Os planetas, satélites e asteroides giram, então, em torno daquele astro rei. Um complexo é parecido, o seu núcleo, equivalente ao sol, está repleto de energia psíquica de origem afetiva. Essa energia pode atrair feridas de conteúdo psicológico semelhantes àquela despertada pela sensação original, até então adormecidas no inconsciente da pessoa.
Forma-se, então, uma constelação de núcleos de energia, atraídos pelo centro do complexo. Essa constelação (semelhante ao sistema planetário) fica dotada de muita energia psíquica, a ponto de tomar o controle da mente. Assim possuída, a pessoa pode deixar de ser ela e passar a agir segundo a rota afetiva, contida no núcleo do complexo. Ou seja, há uma capitulação do Ego pela Sombra
“nós não temos complexos, são eles que nos têm”.
Algumas atitudes, em resumo, decorrentes do funcionamento de vitimização:
A pessoa se sente perdida por não encontrar estruturas interiores, principalmente do Ego, capazes de produzir energia suficiente para superar a da Sombra. A pessoa, assim tomada, sai de si e se volta para fora;
· Devido à essa constelação de diversos sofrimentos correlatos e despertados pela sensação inicial, a pessoa se perde no meio deles e, como um afogado, deixa de acreditar em si mesma e tenta se agarrar a algum suporte fora dela;
· Assim fragilizada, sai a procura de alguém ou de algo que possa salvá-la daquela intensa dor psicológica. É como um navio sem leme ao sabor dos ventos e da maré. Nessa fase, caso haja capitulação do Ego, ela pode até surtar;
· Esse movimento de olhar para fora invés de olhar para dentro a faz vítima de suas próprias carências e, como se sabe, carência é tal como um balde furado, por mais que haja acolhimento e ajuda, o consolo não dura muito;
· Frustrada, ela busca novos preenchimentos de fora para dentro e se torna até impertinente ao narrar repetida vezes, de modo dramático, as agruras sentidas a respeito de quem ela elege como algoz dos seus sofrimentos;
· Esse processo de captar consolo e apaziguamento fora de si pode aguçar a crise, uma vez que, provavelmente, as pessoas próximas passam a evitá-la por, também, se sentirem mal e até abusadas sentimentalmente por ela.
Como trabalhar esse funcionamento
O primeiro passo é reconhecer os sintomas acima descritos e evitar olhar para fora, buscando solução nos outros, em alguém que lhe passe a mão sobre a cabeça. Isso pode aumentar ainda mais aquele movimento de frustração versos captação e, em consequência, o próprio funcionamento de vitimização. O único remédio para acabar com a Sombra é a Luz. Luz que vem de dentro[i].
O segundo passo é não lutar contra a realidade. Esse processo de vitimização, quando desencadeado, se parece com uma lagoa cristalina com lama no fundo. Ao ser movimentada, a água fica turva e se torna impossível enxergar alguma coisa lá no fundo. Quanto mais mexer, pior fica.
Nesse caso, o melhor a fazer é esperar decantar. Só depois que a água voltar a ficar cristalina novamente será possível identificar e separar cada elemento existente no fundo dessa lagoa. Embora, durante essa fase, há uma ansiosa pressa para resolver logo a situação, será preciso ter paciência para aguardar o tempo necessário.
Perceba que todo o processo se desencadeou pela falta de solidez do Ego. Portanto, a condição necessária e suficiente para isso é enaltecer o Ego e elevar a autoestima. Isso irá acontecer quando você deixar de olhar para fora e voltar toda a sua expectativa para o seu próprio interior. Isso é, resgatar seus valores, sua dignidade, sua história de vida e superação. Munir-se daquela força do herói da adolescência e enfrentar os desafios dessa nova jornada de voltar para casa.
Será necessário um tempo de reflexão e meditação. No final desta introdução, faremos um pequeno questionário para ajudar você a se reencontrar e voltar a ter mais firmeza e dignidade.
Desse modo, com a separação dos elementos constelados, a energia psíquica presente na sombra e responsável pelo sofrimento intenso poderá ser quebrada, até o ponto em que aquele núcleo sensível perca totalmente a sua sensibilidade. Quando isso acontecer, você perceberá a existência dele como uma história vivida e não mais como um ponto de dor.
Quando não tratado, o funcionamento vitimista pode se tornar crônico e se transformar em um vício. A pessoa, então, passa a captar atenção e reconhecimento pelo drama. Busca, provavelmente, o colo que lhe faltou, quando criança, a falta de afeto e outras necessidades essenciais da criança não supridas satisfatoriamente.
Isso ocorrendo, a pessoa, de modo inconsciente, passa a projetar nas pessoas de sua relação àquela mãe ou aquele pai que lhe faltou. Mesmo adulta e até idosa, fica tal como uma criança abandonada em busca de colo, acolhimento e afeto.
[i] É melhor procurar um especialista para encontrar esse caminho interior. Afinal, não se trata de coisa simples como trocar ou não de carro ou de uma escolha qualquer. Trata-se de um funcionamento psicológico e existem terapeutas especializados nesse tipo conteúdo